Bar Mítico

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O Pulse ainda pulsa!

Esse final de semana levei o Pulse para o World RPG Fest, aonde orientei o 4° playtest do jogo mas o primeiro aberto e com pessoas que não sabiam o que esperar dele. Além disso foi a primeira vez que vi ele funcionando com lotação máxima, 6 jogadores, o que achei que confundiria bastante o jogo. Engano meu. A experiência foi a melhor até agora, e certamente a que mais me recompensou como criador não só pelas experiências positivas dos jogadores mas pela repercussão de quem havia ficado de fora, apenas observando.

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Desde o final do GameChef que volta e meia eu mexo um pouco mais no texto do livro, mas foi um dia antes de seguir viagem para Curitiba que resolvi concentrar e fazer as mudanças mais objetivas. Além de clarificar grande parte do texto e acrescentar os exemplos de jogo, algumas novas regras foram incluídas:

  • Fatos: Anteriormente o jogo girava em torno de um único fato, o central. Era a única verdade do jogo, inalterável, o que significava que todo o resto era discutível. Isso gerava uma grande confusão, já que qualquer jogador podia mudar completamente o rumo da história. Foi então que criei a regra “Quando uma conjectura é aceita por todos os jogadores, ela se torna imediatamente um fato”. Isso deu uma objetividade impressionante para o jogo, mas ainda mantendo a alta probabilidade de plot twists em torno dos fatos já estabelecidos.
  • Questões individuais: A cada fim de turno, os jogadores conversam e determinam o que merece ser investigado. Isso acontece desde a criação do fato central e segue ao longo do jogo, mantendo o foco em direção ao fim da partida, que era o ponto mais em aberto do jogo (já que na versão que foi para o GameChef eu num tinha nem escrito sobre isso)…

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Obrigado aos jogadores e a todos os interessados: Se preparem! Em breve o crowdfunding terá início!


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As Pétalas da Lótus

Este post trará uma descrição ilustrativa e breve de uma sessão de JUEJU – da formação de cenas até a composição das estrofes e, consequentemente, do poema. A demonstração gira em torno de quatro jogadores: Pedro, Marina, Marcos e João. Com a mesa servida com chá e guloseimas, Marcos toma a palavra – como aquele que melhor conhece as regras do jogo.

Ele distribui os Tomos de Família (cartões usados para descrever os Protagonistas) entre os demais jogadores, e esclarece a criação dos Protagonistas.

Marcos: Muito bem, pessoal. O primeiro passo do jogo é a criação dos heróis da história, os Protagonistas. Cada um de vocês criará o seu próprio herói, a partir de duas características principais: seu Nome, e o Estilo que pratica no Wushu.

Marina: Mas… um Nome em chinês pode me parecer complicado…

Marcos: Não se preocupe, Marcos! Aqui no livro há uma lista de bons exemplos para escolher.

Pedro: (folheando o livro) Hum… Meu personagem será um guerreiro vingativo, que procura a paz através das lutas que enfrenta. O nome dele será Sun-Soa Tan, que significa “Busca a Luz” em Mandarim; e o Estilo dele será chamado a Pata do Tigre Faminto, que representará bem essa insatisfação.

Marcos: Muito bom, Pedro! Coloque isso no seu Tomo de Família, pois eles sempre aparecerão durante a história.

Eu pensei em algo mais simples, eu acho: um velho monge, sereno e respeitado por seus aprendizes. Seu nome será Xan-Ien, que significa “Voz”; e o seu Estilo será chamado o Bote da Carpa Vermelha – com movimentos fluidos como uma lagoa, e fatais como as presas de um peixe faminto.

Marina: Minha heroína será uma dama gentil, antes apaixonada por Sun-soa Tan. Seu nome será Tai Lien Quar, a “Lótus Branca”; e seu estilo, mais piedoso e apaixonado, chama-se a Lágrima do Dragão Branco.

João: Meu herói será um homem nobre e honrado perante a civilização. Seu nome será Xan-Pa Oh, “Castelo” em Mandarim; e seu Estilo representará sua magnitude: as Asas do Dragão Ascendente.

Com os Protagonistas prontos, a história pode começar!

Cada um dos jogadores definirá seu Protagonista a partir do seu Nome (o que busca em sua Jornada) e do seu Estilo (o caminho adotado para concretizar a sua busca). Uma vez definidos, cada um vai registrá-los nos seus Tomos de Família, pois sua descrição será constantemente usada durante o jogo.

Para a sessão começar, o Pergaminho é posto sobre a mesa e as cartas de Romance são divididas entre o grupo. Como há quatro jogadores, cada um ficará com doze cartas – três de cada tipo.

Marcos: Muito bem, pessoal: vamos começar o jogo pela primeira Estrofe. O que vocês sugerem?

Marina: Deixa eu ver se entendi: cada um de nós vai colocar algo na história, e depois vai transformar isso em poesia?

Marcos: Isso mesmo. Cada contribuição se transformará em verso.

Marina: Como serei a primeira, eu vou colocar um Romance de Lugar… Um Templo!

Pedro: Meu Protagonista chegará nesse Templo, para desafiar o primeiro à sua vista!

Marcos: Vou colocar um Romance de Herói na estrofe, o Monge – vou usar ele para me colocar na cena! Hehehe…

João: Para encerrar a situação, meu Protagonista irá interceder no duelo, antes mesmo dele começar.

Marcos: Excelente. Vamos montar a cena!

No princípio da Rodada, cada jogador contribuirá com um algo – entre um Romance (elemento simbólico, geralmente externo ou material) e uma Intenção (decisão do seu Protagonista dentro da cena).

Para colocar um Romance, basta descartá-lo na mesa, revelando-o a todos os jogadores.

Para definir uma Intenção, o jogador a declara como um verbo (lutar, pegar, escalar, correr, falar, etc).

Cada Estrofe é composta por dois Romances e duas Intenções – logo, cada jogador pode escolher somente uma dentre essas ações.

Marcos: Certo, pessoal. Agora que vocês entenderam como funciona o jogo, vamos para a segunda Estrofe. Façam suas escolhas.

(Romances e Intenções são escolhidas pelo grupo rapidamente).

Agora, vamos descrever a cena.

Marina: Um dos discípulos avisa o Monge da visita inesperada, com uma bandeja servida de pão e chá.

Marcos: “Deixe que eu o sirvo, gafanhoto. Apenas observe.” Xan-Ien caminha lentamente, carregando os alimentos até o seu visitante com serenidade nos olhos.

Pedro: Sun-soa Tan permanece impassível em sua postura, as mãos dispostas como as patas de um tigre na hora do bote.

João: Xin-Pa tenta interceder, e acaba interrompido pelo anfitrião. Suas advertências – “Não faça isso, ele vai matar o senhor!” – não surtiam o menor efeito.

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Uma vez que a escolha dos Romances e das Intenções se conclua, chega o momento de contextualizar esses elementos na mesma situação. Nesta caso, cada jogador criará relações entre o que foi definido – ações se unem a objetos, lugares, animais e personagens (sejam eles Protagonistas ou não), de modo a formular uma situação que afete a todos – o centro da Estrofe.

Marcos: Bem, agora que definimos a cena que servirá de base para a Terceira Estrofe. E, para isto, vamos criar os versos.

João: Eu ainda não entendi direito como funciona a rima.

Marcos: Vamos ver o seu papel aqui, João. O que você colocou nesta cena?

João: Coloquei o Dragão, referindo-me ao vilão da história.

Marcos: Então, acho que ele faz relação direta com o papel do Pedro… (vira-se para ele) Qual foi tua escolha, mesmo?

Pedro: Foi uma Intenção: falar com Xan-Ien e Xin-Pa, pedindo ajuda em sua busca.

João: Certo, já entendi! Cara, isso vai ficar muito legal!

As Rimas possuem um valor muito importante no jogo, pois ajudam a ligar os elementos da cena dentro da métrica do poema. Em outras palavras, versos que rimam possuem relação entre si, seja qual for a sua combinação (Intenção com Romance, ou ambos iguais).

Logo, se um elemento complementa outro diretamente, eles serão unidos por uma rima na sequência (verso 1 rima com verso 2). Se a relação entre os versos for indireta, a rima será mais aberta (verso 1 rimando com verso 3, ou 4). Neste último, a colocação dos versos torna-se critério estético para a estrofe – definida somente pela musicalidade e colocação das palavras.

Marina: Certo, já terminamos a Quarta cena. Mas parece que ficou grande demais para caber em uma Estrofe…

Marcos: Isso faz parte do desafio, Marina. Quanto menos palavras usarmos, melhor!

João: Mas, se usamos poucas palavras, muita coisa se perde da história…

Marcos: Com as palavras certas, não se perde, não. Hehehe…

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A essência das poesias da China Mítica é o significado: nas suas entrelinhas, existe algo a ser transmitido – um valor esquecido, uma liçãao moral ou compreensão sobre o mundo. Enfim, a essência das palavras está oculto, apenas esperando pela compreensão de seus leitores.

Em JUEJU, a métrica define a Estrofe como um quarteto (composta por quatro versos), cada um destes formado por cinco a oito palavras, como acontece com os ideogramas chineses. O interessante para o grupo é utilizar o mínimo de palavras possível em cada verso, para tornar o desafio de transmitir a cena mais interessante.

Marina: Ok, pessoal. Já definimos como ficou a cena… Quantas Virtudes ainda temos para escolher?

Marcos: Como estamos concluindo a quinta Estrofe, temos apenas duas à disposição.

Pedro: Certo… Vamos rever como ficou a cena que formamos agora: Sun-soa Tan foi imediatamente enfrentar o Imperador, que raptou sua amada. Uma luta desleal teve início, pois o inimigo usava sua espada contra o desarmado oponente, e a derrota desta era inevitável.

Apenas o amor de Tai Lien o salvou, colocando-a na frente do golpe de misericórdia.

Marina: Eu acho que a Virtude “Altruísmo” combina perfeitamente com a cena: pelo amor que nutriu por ele, Tai Lien o ajudou a sobreviver. Deu sua vida pela segurança do amado!

Marcos: Uma vida breve, como o desabrochar de uma lótus… Taí, gostei. Vocês concordam?

João e Pedro: (em uníssono) SIM!

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Além da métrica, outro elemento importante na construção de um Jueju está nas Virtudes (os seis comportamentos, definidos por Confúcio como parte do caminho até o Tao). Elas representam valores ancestrais, que um dia já fizeram parte da civilização humana; e, aqui no jogo, representam também o fundamento para cada Estrofe.

A cena em si gira em torno de um significado, isso já fora discutido. A inserção da Virtude ilustra o que pode ser aprendido de tudo isso – como se fosse a síntese da cena, por exemplo. Cada Estrofe terá sua Virtude, sem repetições, fazendo parte do contexto. Por exemplo, se o centro da situação é a cortesia entre os Protagonistas, esta será sua Virtude: sua lacuna será preenchida no Pergaminho, indicando seu uso, e o jogo prossegue com as restantes, até a última Estrofe.

Marcos: Muito bem, pessoal. Com o término desta cena, qual foi a moral que vocês viram nesta história?

João: Acho que o amor, como sentimento inabalável, é a moral deste conto.

Marina: Puxa, sou obrigada a concordar com o João! Sun-soa Tan moveu céus e terra para resgatar sua amada, e ela retribuiu o esforço com o sacrifício para salvá-lo… Isso foi lindo!

Pedro: Acho que isso motivou também Xin-Pa, o irmão da jovem Lótus. Ele queria salvá-la do Dragão, mas encontrou a força para derrotá-lo somente na morte da irmã. Uma verdadeira tragédia mítica, na minha opiniao.

Marcos: Genial! Vocês captaram direitinho a essência do jogo – estão até filosofando sobre ele!

(risada coletiva e descontraída).

Uma consideração importante sobre a última Virtude, aquela que comporá o final da Jornada. Seu valor torna-se um pouco mais amplo que de suas “irmãs”, pois trata-se do valor moral transmitido por todo o poema. Ou seja, todas as Virtudes elencadas anteriormente tornam-se o caminho para desvendar o valor moral da história.

No exemplo acima, a Virtude selecionada para a última Estrofe foi Sabedoria Moral, e daí partiu a compreensão sobre o amor, e tudo que dele resulta – como a força para superar os perigos pela segurança da pessoa amada, por exemplo. É interessante que essa constatação surja da reflexão em grupo, uma discussão descontraída que resultará nessa conclusão (a “cereja do bolo” deste jogo).

Agora que o grupo terminou sua poesia, basta ver como foi escrita a Jornada pelas Pétalas da Lótus:

Os ventos do sul ao templo seguem

Sun-soa Tan, solitário e vingativo;

Bradou: ‘Para lutar contigo, Monge, há um motivo’

Até que uma voz interviesse: ‘Parem!”

Com chá e pão de gengibre,

Xan-Ien lhe cumprimenta;

Xin-Pa, contrariado, lhe pergunta:

‘Por que dás de comer a este tigre?

‘O tigre será um forte aliado,

Que compartilha de sua missão’;

‘Desejo alcançar contigo a raiz da montanha,

Para juntos enfrentarmos o Dragão!’

Sun-soa Tan venceu a estrada em apenas um dia,

Seguindo as pétalas de Tai Lien, sua amante.

Maior que a sede, somente agonia

Que se aplacou às margens de uma ponte.

Ao ver o ‘Tigre”, o Imperador Dragão atacou

O feriu com sua espada, ó combate desleal.

Derrotado no chão, somente Tai Lien o salvou

Declarando seu amor ante o golpe fatal.

As lágrimas regaram Tai Lien e suas pétalas de flor,

Que não viu seu irmão, Xin-Pa, silenciar o Dragão.

O velho Xan-Ien insistiu para levá-los à sua mansão,

Pois consagraria, ao casal morto, seu eterno amor.”